Tradução do conto “La mortella”, de Giambattista Basile, publicado em
“Lo cunto de li cunti (Il Pentamerone). Volume I”. Tradução: Ana Lucia Rizzi
Fiori
Era uma vez um casal que não tinha filhos. Eles
desejavam muito um herdeiro, de qualquer forma, por isso a mulher sempre pedia:
– Oh Deus! Como eu queria dar à luz! Não me importaria nem se fosse um ramo de mirto!
– E a mulher repetiu tanto essas palavras e pediu tanto aos céus por isso que,
um belo dia, ela engravidou. Sua barriga cresceu e, nove meses depois, ela deu
à luz, não uma criança, mas um belo ramo de mirto, repleto de lindas flores. A
mulher plantou-o em um vaso todo enfeitado, colocou-o na janela, e regava-o com
muito amor e carinho todas as manhãs e todas as noites.
Um dia, o príncipe passou em frente à casa da
família e ficou maravilhado com o belo mirto. Pediu à mulher que lhe vendesse a
planta, e disse que pagaria muito bem por ela. A mulher recusou a oferta, mas
tão grande foi a insistência do príncipe que, ao final, ela acabou aceitando e
vendendo a planta, mas fez o príncipe prometer que cuidaria muito bem do mirto,
pois ela o amava como a um filho.
O príncipe, com toda a delicadeza do mundo, levou a
planta ao seu palácio, colocou-a em seu quarto e, com suas próprias mão,
cuidava dela.
Uma noite, enquanto todos dormiam, o príncipe estava
em sua cama quando acordou ouvindo barulho de passos, e percebeu que havia
alguém em seu quarto. A princípio, pensou que pudesse ser algum pajem ou, quem
sabe, algum espírito brincalhão. Porém, esperto e corajoso como era, resolveu
esperar para poder ter certeza do que estava acontecendo ali, assim, fingiu que
estava dormindo. A pessoa se aproximou da cama do príncipe e deitou-se ali com
ele. Ao tocá-la, ele percebeu que ela tinha uma pele muito delicada e macia
envolta em um tecido muito leve e sedoso, e achou que estava na presença de uma
fada (e acertou em cheio).
Porém, antes que o sol nascesse, a fada se foi,
deixando o príncipe muito curioso e encantado. Isso aconteceu novamente por sete
dias, e o príncipe queria cada vez mais entender o que era aquela maravilha que
lhe caiu das estrelas, e saber quem era a moça que, cheia de amor, ia até
aquela cama. Uma noite, enquanto a jovem dormia, o príncipe acendeu uma luz e
viu a jovem mais bela que já vira em sua vida, uma maravilhosa fada. Olhando-a,
ele disse: – Oh, que grande beleza! É mais bela que uma manhã de sol, e mais
brilhante que a mais rica joia. Não me canso de admirá-la. Que belos olhos, que
me queimam, que belo peito, que me consola, que bela mão, que me afaga. Onde a
mãe natureza foi capaz de criar esta bela criatura? De qual montanha veio a
neve que deu cor a este peito? De qual rosa veio a delicadeza desta pele? Qual
estrela emprestou seu brilho a estes olhos?
Ao dizer isso, abraçou-a. Ela acordou com essas
palavras e respondeu com um sorriso ao suspiro do príncipe apaixonado. Ele continuou
a elogiá-la, dizendo-lhe: – Oh meu bem, se eu já estava maravilhado vendo este
templo de amor no escuro, o que será de minha vida agora que o vejo no claro,
podendo enxergá-lo? Apenas você conseguiu atravessar este coração, e somente
você pode cuidar dele. Tenha piedade de um doente de amor que, por trocar o escuro
da noite pela luz dessa beleza, adquiriu uma febre.
Ela ficou vermelha como o fogo e disse: – Não diga
isso, príncipe, eu sou apenas uma criada sua, e faria qualquer coisa para
servi-lo, e valorizo a grande sorte de poder ter saído de um pequeno ramo de
mirto e encontrar um coração tão virtuoso.
O príncipe abraçou-a de novo, pegou suas mãos e
disse: – Aqui está você agora! Será a minha mulher, a princesa deste reino,
terá a chave de meu coração, assim como tem o timão desta vida! – E seguiram
trocando mais belas palavras durante a noite. Eles continuaram assim por mais
alguns dias.
Porém, como a sorte é muitas vezes impiedosa com os
apaixonados, um dia o príncipe foi chamado para ir à caça de um porco selvagem,
que estava causando destruição pelo reino. Assim, teve de deixar a fada
sozinha, e com ela, boa parte de seu coração. Ele a amava mais que a própria
vida, e a achava mais bela que qualquer coisa bela que pudesse haver no mundo,
mas, do amor e da beleza, nasceu uma terceira coisa perigosa, a tempestade que
surge no continente do amor e a chuva que molha as alegrias amorosas.
Assim, o príncipe disse a fada: – Meu amor, devo
ficar fora por uns dois ou três dias. Deus sabe com qual dor me afasto de você!
Os céus sabem como gostaria de ficar aqui. Porém, não posso faltar com as
obrigações a meu pai, portanto, devo ir. Por isso peço a você, pelo amor que me
tem, para ficar dentro do mirto, e não sair até que eu retorne.
– Assim farei, porque não quero e não posso
desprezar aquilo que agrada a você. Por isso, vá com a boa sorte, que aqui
ficarei esperando o seu retorno. Mas me faça um favor. Amarre na parte de cima
do mirto uma corda, e nela um sino, e, quando você retornar, toque-o que eu
saio.
Assim fez o príncipe. Depois, chamou o camareiro e
disse: – Venha aqui, ouça bem: quero que arrume a cama toda noite, como se eu estivesse
aqui, e cuide do mirto e de suas flores. Se eu voltar e sentir falta de uma
única flor, eu mesmo o matarei!
O príncipe montou o seu cavalo e partiu.
Então, sete mulheres invejosas e maldosas, que às
vezes recebiam visitas do príncipe, percebendo que ele estava frio e distante com
elas e que não aparecia mais, pensaram que ele podia estar com alguma outra.
Elas chamaram um pedreiro e deram-lhe muito dinheiro para ele cavar um buraco
que saísse no quarto do príncipe. Quando entraram lá, não viram ninguém no
quarto, apenas um belo mirto. Cada uma começou a arrancar uma flor, e a mais
nova delas puxou a de cima, na qual estava presa a corda, e o sino tocou.
Ao ouvi-lo, a fada, achando que o príncipe tinha voltado,
saiu do mirto. As mulheres, ao verem-na, pularam para cima dela dizendo: – Você
é aquela que acaba com as nossas esperanças? Você é aquela que conquistou a
graça do príncipe? É você que esta agora em posse daquilo que nos pertence? Oh,
que você não tivesse tido essa sorte! Agora encontrará a sua ruína!
Assim dizendo, elas bateram em sua cabeça com um
bastão e cortaram-na em centenas de pedaços. Cada uma das mulheres recolheu uma
parte, apenas a mais nova não quis participar dessa crueldade, mas, ameaçada
pelas irmãs de que devia fazer o mesmo que elas, ela recolheu uma mecha dos
belos cabelos da fada. Depois disso, saíram do castelo sem que ninguém as
visse.
O camareiro foi ao quarto arrumar a cama como o
príncipe tinha pedido e, ao ver o desastre que havia acontecido lá, quase
morreu de susto e de medo. Ele recolheu os restos de carne e ossos que ainda
estavam por lá e, após raspar o sangue do chão, colocou tudo dentro do vaso do
mirto. Então ele limpou o quarto, arrumou a cama e, ao sair, deixou a chave
embaixo da porta.
Assim que o príncipe voltou da caça, tocou o sino,
mas nada aconteceu. Tocou-o novamente, sacudiu-o, para que a fada o ouvisse.
Então ele correu ao seu quarto e, ao ver o vaso destruído, começou a gritar: – Ai
de mim! Oh trágico destino que me aguardava! Quem me fez este mal? Arruinado e
destruído príncipe! Oh meu mirto, despedaçado! Oh minha fada, perdida! Oh minha
vida, desgraçada! Que farei agora, infeliz como estou? Perdi tudo o que eu mais
amava! Por que não me jogar desta janela? Oh caça maldita, que me levou toda a
alegria! Acabou, estou perdido! Estou morto!
Essas palavras, que comoveriam até uma pedra,
continuaram. Depois de um longo lamento e muito choro, com muita raiva e sem
conseguir fechar os olhos para dormir, nem abrir a boca para comer, ele deixou
tanto espaço para a sua dor que foi ficando cada vez mais pálido e doente.
A fada, que tornou a brotar dos restos que ficaram
no vaso, vendo a dor de seu amado e seu rosto pálido, se encheu de compaixão e
saiu do vaso, como uma luz surgindo na escuridão, surpreendendo o príncipe.
Ela o abraçou e disse: – Acalme-se, meu príncipe!
Não chore! Aplaque essa raiva. Aqui estou eu, viva e bela, a despeito daquelas
mulheres más que, batendo-me na cabeça, acabaram com minha carne.
O príncipe, vendo que ela estava viva, sentiu a
vida voltar-lhe ao coração. Após muitos abraços e carinhos, ela lhe contou tudo
o que havia acontecido. O príncipe percebeu que o camareiro não tinha culpa,
então chamou-o e ordenou que ele fizesse um grande banquete. Com o
consentimento do pai, o príncipe casou-se com a fada. Para o banquete, convidou
todos do reino, e fez questão que aquelas sete mulheres estivessem presentes.
Após o banquete, o príncipe perguntou a todos: – O
que mereceria alguém que fizesse mal àquela encantadora jovem? – apontando a
fada, que era tão bela e tocava o coração de todos. Um dizia que essa pessoa
mereceria a forca, outro, que deveria ser torturado, outro, que deveria ser
jogado de um precipício, e várias outras penas também foram citadas. Por
último, chegou a vez das mulheres responderem, por mais que não gostassem dessa
conversa, e elas disseram: – Quem tivesse coragem de fazer mal a esse amor
mereceria ser enterrado vivo no fundo de um esgoto.
– Pois então, vocês causaram o mal e vocês mesmas
deram a sentença! Basta apenas eu dar a ordem para que ela seja cumprida! Pois
vocês são aquelas que fizeram mal a esta bela criatura e destruíram a carne
destes belos membros – respondeu o príncipe. – Agora, não percamos mais tempo, que
vocês sejam jogadas no fundo de um esgoto, onde terminem miseravelmente a vida!
A sentença foi logo cumprida com as seis mulheres
que haviam feito aquela crueldade, e o príncipe casou a irmã mais nova delas
com o camareiro. Depois, os pais do mirto se mudaram para o palácio, onde
viveram muito bem, e todos ficaram muito felizes.
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