segunda-feira, 7 de março de 2011

Marcovaldo: O bosque da rodovia - Ítalo Calvino


O frio possui mil formas e mil modos de se movimentar no mundo: no mar corre como uma manada de cavalos, no campo se lança como uma nuvem de gafanhotos, na cidade, como a lâmina da faca, corta os caminhos e atravessa as frestas das casas não aquecidas. Na casa de Marcovaldo, naquela noite, havia acabado os últimos pedaços de lenha, e a família, toda encapotada, olhava na lareira o final da brasa se apagar, e das suas bocas as fumacinhas que saíam a cada respiro. Não falavam mais nada, as nuvenzinhas falavam por eles. A mulher as lançava longas, longas como suspiros; os filhos as expiravam absortos como se fossem bolas de sabão; e Marcovaldo as expelia para o alto aos pulos como relâmpagos que logo desapareciam.
Por fim Marcovaldo se decidiu: – Vou atrás de lenha, quem sabe se não encontro um pouco. – Colocou quatro ou cinco jornais entre o casaco e a camisa para servir de escudo contra as investidas do vento, escondeu debaixo do casaco um longo serrote, e assim saiu pela noite, seguido pelos longos olhares esperançosos de sua família, lançando ruídos a cada passo e com o serrote que de vez em quando mostrava a ponta pela gola do casaco.
Ir atrás de lenha pela cidade: que nada! Marcovaldo se dirige logo para um pedaço de jardim público que ficava entre duas ruas. Tudo estava deserto. Marcovaldo analisava as nuas plantas uma a uma pensando na família que o esperava rangendo os dentes...
O pequeno Miguelzinho, rangendo os dentes, lia um livro de fábulas, pego emprestado da biblioteca da escola. O livro falava de um menino, filho de um lenhador, que saia com um machado, para pegar lenha no bosque. – Olha onde é preciso ir, – disse Miguelzinho – no bosque! Ali sim que tem lenha! – Nascido e crescido na cidade, nunca tinha visto um bosque, nem de longe.
            Dito e feito, combinou com os irmãos: um pegou o machado, um o gancho, outro uma corda, despediram-se da mamãe e saíram a procura de um bosque.
            Caminharam pela cidade iluminada pelos lampiões e não viam nada além de casas. De bosques, nem a sombra. Encontraram alguns raros pedestres, mas não ousavam perguntar-lhes onde havia um bosque. Assim chegaram no ponto onde acabavam as casas da cidade e a rua se tornava uma rodovia.
            Dos lados da rodovia, os meninos viram o bosque: uma abundante vegetação de árvores estranhas cobria a vista do horizonte. Tinham os troncos muito finos, retos e tortos, e as copas chatas e extensas, com as mais estranhas formas e as mais estranhas cores, quando um carro passando as iluminava com os faróis. Ramos no formato de pasta de dentes, de rosto, de queijo, de mão, de barbeador, de garrafa, de vaca, de pneu, cobertos por uma folhagem com letras do alfabeto.
            – Eba! – disse Miguelzinho – Este é o bosque!
            E os irmão olhavam encantados a lua surgir entre aquelas estranhas sombras: – Como é bonito...
            Miguelzinho logo os chamou de volta ao motivo pelo qual estavam ali: a lenha. Assim abateram uma arvoreta com forma de uma flor amarela, fizeram-na em pedaços e a levaram a casa.
            Marcovaldo voltava com a sua pequena carga de ramos úmidos e encontrou a lareira acesa.
            – Onde vocês o pegaram? – exclamou indicando os restos de outdoor que, sendo de madeira compensada, queimava muito mais rápido.
            – No bosque! – responderam as crianças.
            – E que bosque?
            – Aquele na rodovia. Está cheio disso!
            Vendo que era tão fácil assim, e que precisavam de novo de mais lenha, valia a pena seguir o exemplo dos meninos. Marcovaldo saiu de novo com o seu serrote e foi até a rodovia.
            O agente Astolfo, da polícia rodoviária, era um pouco míope e à noite, correndo na moto durante o seu trabalho, precisaria usar óculos, mas não revelava isso por medo de ser prejudicado na sua carreira.
            Naquela noite, foi denunciado o fato de que, na rodovia, um bando de moleques estava derrubando os outdoors. O agente Astolfo partiu para inspecionar.
            Nos lados da rodovia, a selva de figuras estranhas, sugestivas e gesticulantes acompanhava Astolfo, que as observava uma a uma, revirando os olhos míopes. Eis que, de repente, à luz do farol da moto, surpreendeu um moleque pendurado em um outdoor. Astolfo parou: – Ei, você! O que faz aí? Saí logo daí! – Aquele não se mexeu e lhe mostrou a língua. Astolfo se aproximou e viu que era a propaganda de um queijo, com um garotinho que lambia os beiços. – Ah, certo. – disse Astolfo e partiu em grande velocidade.
            Um pouco depois, na sombra de um grande cartaz, ele iluminou um triste rosto assustado. – Alto lá! Não tente fugir! – Mas ninguém fogiu: era um rosto humano com sinais de dores pintado no meio de um pé cheio de calos: a propaganda de um anticalos. – Oh, foi mal – disse Astolfo e foi embora.
            A propaganda de um comprimido contra enxaqueca era uma gigantesca cabeça de homem, com as mãos nos olhos pela dor. Astolfo passou e o farol iluminou Marcovaldo pendurado em cima do outdoor enquanto, com o seu serrote, tentava cortar um pedaço de madeira. Cego pela luz, Marcovaldo ficou encolhido e imóvel, pendurado em uma orelha daquela cabeça, com o serrote que já havia chegado no meio da testa.
            Astolfo analisou bem a cena e disse: - Ah, sim: comprimidos Estapa! Uma propaganda eficaz! Muito bem bolada! Aquele homenzinho lá em cima com o serrote corresponde à dor de cabeça, que corta a cabeça ao meio! Eu entendi na hora! – E foi embora satisfeito.
            Tudo era silêncio e gelo. Marcovaldo deu um suspiro de alívio, se arrumou no desconfortável tripé e retomou o seu trabalho. No céu iluminado pela lua se propagava o abafado rumor do serrote contra a lenha.



Conto retirado do livro Marcovaldo ovvero le stagioni in città ou Marcovaldo ou as estações na cidade. Tradução minha.


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